- Stôra?
- Sim, Pedro?
- Já lhe disse que trouxe uma maçã verde para si hoje?
- Oh, Pedro... Que amoroso... Obrigada.
- Stôra?
- Sim, Pedro?
- Posso ir ao quadro?
- Para quê, Pedro?
- Tenho aqui uma equação que gostava que me ajudasse a resolver.
- Ai, sim?
- Sim. Pedi ajuda ao Vitor mas ele não conseguiu. Acha que pode?
- Vamos ver.
- Stôra?
- Sim, Pedro?
- Obrigado, Stôra.
- Obrigado por quê?
- Por me desenrascar mais uma vez.
- Ó Pedro, deixe-se de coisas. Estamos cá para isso.
- Stôra?
- Sim, Pedro?
- Não se esqueça de levar a maçã.
- Não é envenenada, pois não? (risos)
- Ó Stôra... (risos) Acha?!
Paulo Portas é o mais experiente político do Governo. Passos Coelho, que também anda pela política desde muito novo, não tem a experiência política de Portas. Nem a matreirice. Nem a estratégia. Nem nunca deve ter lido um único livro sobre estratégia política. Ou sequer pensado que há características em tempos de “guerra”, como a dissimulação, o segredo, a surpresa, o silêncio, o pensar a dois tempos, a paciência, como nos ensina Sun Tzu em "A Arte da Guerra", que são determinantes não apenas para a sobrevivência [política] mas para alcançar a vitória.
Viver em coligação, diz-nos qualquer manual básico de ciência política e diz-nos sobretudo a realidade, é viver em permanente estado de tensão, com forças centrífugas e centrípetas constantes. É uma acção de gerir conflitos, um estado de alerta, um estado de guerra. É estarem vários homens numa trincheira com apenas uma lata de sardinha por dia e em que todos têm de vigiar simultaneamente o inimigo lá fora e o precioso enlatado até à próxima refeição.
Quando a desconfiança entre os homens no interior da trincheira aumenta à medida que vão passando os dias, e perante a falta de ataques violentos do exterior, o ambiente no interior da caverna pode tornar-se aterrador. O instinto de sobrevivência agudiza-se. As lutas na caverna assumem uma dimensão sanguinária, por vezes fratricida, porque enquanto ao inimigo só o vêem esporadicamente, os entrincheirados convivem 24 horas por dia. A convivência pode tornar-se verdadeiramente insuportável.
As desconfianças são permanentes. O que fica de vigia, à noite, distrai-se a olhar para a lata de sardinhas e imagina o que faria com ela sem ter de a partilhar com os outros. Os outros, que supostamente deviam estar a dormir, ficam despertos por desconfiarem que o vigilante possa atacar o gourmet sozinho. Afinal, ninguém descansa pelo estado de alerta permanente e a percepção do risco interno assume dimensões gigantescas. O inimigo externo - que devia ser, afinal, o único e verdadeiro inimigo - circula à vontade no terreno e reorganiza-se sem que dentro da caverna essa mudança seja nítida.
A coligação deste Governo não vai cair por causa das taxas sobre as pensões, a chamada TSU dos pensionistas. Vai cair porque todos desconfiam que Paulo Portas vai comer a lata de sardinhas sozinho.
Com os dois nomes conhecidos para substituir Miguel Relvas, a nova pergunta é esta: quem faz a coordenação política? Não se espera que seja Miguel Poiares Maduro, porque é um jurista de renome internacional, mas não é político; e não será Marques Guedes, que se bem se viu o que valia do ponto de vista político quando estava com Manuela Ferreira Leite. Sendo este um Governo sem núcleo duro, onde a coordenação política falhava em toda a linha quando era feita por um indivíduo político profissional, como vai ser agora?
Paulo Portas?
O Filipe Santos Costa é "un portugués", segundo a reportagem do El Mundo escrita por "uma espanhola", acerca da polémica do porteiro-cobrador na livraria Lello, no Porto, que ele próprio, "un portugués", desencadeou aqui no blogue. O Elevador da Bica tem muito orgulho em contar com "un portugués" entre os guarda-freios, qualidade que louvamos e apreciamos no nosso camarada e que esperamos que ele continue a manter.
Retirei este post por verificar que continha vários erros. Desculpas aos leitores.
© PAULO ALEXANDRINO PHOTOGRAPHER
O que fez a diferença foi a atitude do ministro Nuno Crato. Não há memória de um membro do Governo levar um colega a sair através de uma inspecção a um caso protagonizado por outro participante no Conselho de Ministros, sendo que "o outro" é o braço-direito do chefe. A grande ironia é o homem todo-poderoso que controla(va) a máquina política, o partido e os gabinetes, cair pelo dessassombro de um ministro independente. E que tem a frontalidade de dizer o que disse ontem na SIC. A juntar a isto, temos um primeiro-ministro que permitiu a acção do seu ministro da Educação contra o seu melhor suposto amigo político (se Relvas fosse mesmo amigo de Passos tinha-se demitido muito mais cedo). É a democracia a funcionar e é positivo, e por isso concordo com o que o Bruno Faria Lopes escreve no post aqui em baixo. Mas é a democracia a funcionar em Portugal de uma maneira que não é costume. Parece uma melhoria nos nossos hábitos políticos, contra a ideia de que eles se protegem uns aos outros e coisas que tal, tudo verdadeiro - mas execepcional. O herói do dia foi Nuno Crato. Passos Coelho também merece o elogio. Foi tarde. Tenho sérias dúvidas sobre se a acção de Crato seria possível no Governo anterior. Sem humildade, Miguel Relvas invocou que um dia se fará História. Sim, a História do precendente de um ministro que não protegeu o chefe (de certo modo Relvas também era seu chefe) nem o amigo do chefe.
Os casos de Miguel Relvas encontram paralelo em escândalos recentes na Alemanha: as pressões sobre o jornal Público de que Relvas é acusado lembram as acusações do ex-presidente da República alemão sobre o jornal "Bild"; as irregularidades na obtenção de um grau académico por Miguel Relvas espelham as irregularidades detectadas nos casos de dois influentes ministros do governo de Merkel, Karl-Theodor zu Guttenberg e Annette Schavan.
O caso alemão é interessante por ser uma referência óbvia nesta "Europa" que nos disciplina. Na Alemanha aconteceu o seguinte nos três casos: os jornais noticiaram as irregularidades/pressões, os visados negaram as acusações, Merkel defendeu os seus ministros, os jornais continuaram a investigar, a opinião pública condenou, as instituições actuaram (universidades e ministério Público) e os visados demitiram-se. Nos casos dos dois ministros de Merkel, o discurso de demissão continuou a manter a ausência de irregularidades académicas – e pelo menos um citou "estar no limite das suas forças" como motivo de saída. Merkel elogiou todos à saída.
O desfecho do caso Relvas segue este padrão e, não sendo um processo perfeito, não deixa de representar um sinal de progresso institucional. A imprensa noticiou casos iniciais envolvendo Miguel Relvas (as pressões sobre o Público, por exemplo), o visado e o governo sacudiram a água do capote, os media continuaram a cavar e desenterraram o caso da licenciatura, o visado negou e o Primeiro-ministro apelidou a coisa de "não assunto", mas a opinião pública condenou e as instituições (o ministério da Educação, a Inspecção-Geral da Educação e Ciência e o Ministério Público) investigaram e deliberaram, levando o visado a demitir-se. Miguel Relvas justificou a saída falando em "questões anímicas", elogiado e defendido até ao fim por Passos Coelho.
Teria sido ideal para a democracia que Relvas se tivesse demitido quando a questão estava ainda no plano moral? Sim. Teria sido ideal que o Primeiro-ministro de um governo que impõe sacrifícios e que moraliza tivesse demitido o ministro sem credibilidade? Sim. Mas nada disto constitui uma ameaça à democracia - é assim que funciona em todo o lado, em todas as democracias consolidadas, e o preço político fica com quem dá cobertura (neste caso, com Passos Coelho, obviamente fragilizado pelo caso que envolve o seu braço direito de sempre).
Um verdadeiro problema seria a ausência de reacção da opinião pública e uma ausência de reacção das instituições. Não foi isso o que aconteceu desta vez. Opinião pública, media, instituições políticas e judiciais foram convocados a agir e agiram. Tombaram um ministro que não tinha condições para o ser. Demoraram demasiado tempo? Sim. Mas não deixa de ser um progresso face a acontecimentos recentes - e não deixa de criar um precedente muito importante para casos idênticos no futuro.
Ontem foi um bom dia para a democracia portuguesa.
... como exemplo do que não se deve fazer.
Timming: Se perder a licenciatura, Miguel Relvas é o primeiro ministro (sem hífen) que entra no Governo doutor e sai abaixo de senhor. O que quer dizer que devia ter saído muito mais cedo, logo pelos dias do escândalo do curso. Ia-se embora de forma exemplar, e saía como "um senhor". O primeiro-ministro escusava assim de se ter exposto desta maneira, mantendo em carteira um activo tóxico que baixou o rating de todo o Governo. Para este triste fim, mais valia tê-lo feito no princípio e talvez houvesse alguma hipótese de redenção.
Comunicação: A demissão de Relvas é mais uma prova da incompetência do Governo a comunicar, o que é a mesma coisa que dizer incompetência a fazer política no que a política tem mais de político: por isso é que a política se chama política e não outra coisa qualquer. Uma remodelação como deve ser, e uma remodelação nunca é um momento ideal devia ser como está nos livros: anuncia-se a saída de um ministro ao mesmo tempo que se anuncia o nome do substituto. Já passaram umas horas e ainda não há nome de substituto. Será este o último erro de Relvas? Não. Há mais.
O tom da comunicação: Miguel Relvas não resistiu ao auto-elogio. Está certo, pode perdoar-se essa fraqueza humana e normal num político. Já é mais duvidoso, no entanto, ter referido tudo aquilo que fez ao longo de cinco anos para alcandorar Passos Coelho, primeiro, à liderança do partido, e, depois, à chefia do Governo. Isto de dizer nas entrelinhas que foi ele quem fabricou o Pedro é verdade, mas há verdades que não são bonitas de dizer em certos momentos. Saiu mal.
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