Segunda-feira, 10 de Setembro de 2012

Do cinismo na política (ou como vender banha da cobra)

 

 

É fascinante (não encontro melhor adjetivo) a leitura do manual de instruções enviado aos assessores dos vários ministérios para os ensinar a vender aos papalvos o brilhantismo do último pacote de austeridade. A ginástica feita pelos spin doctors de Passos Coelho, sendo bom entretenimento, dificilmente cumpriria os mínimos olímpicos de um gabinete de comunicação digno desse nome. Não passam de vulgares vendedores de banha da cobra, com promessa de milagre e tudo.

 

Lê-se e o queixo vai caindo a cada novo parágrafo. É uma salganhada em português medíocre (não há ninguém que lhes ponha pontuação, ó dr. Crato? Não há quem faça uma revisão de texto, ó dr. Viegas?) que mistura entusiasmo tifosi, declarações de fé, erros técnicos, duplas negativas, amanhãs que cantam, mistificação, superstição, manipulação, propaganda barata, desresponsabilização, wishfull thinking, fantasia e aldrabice pura e simples.

 

Há parágrafos em que o autor aposta tudo na completa falta de memória do destinatário, outros em que põe a sua melhor cara de pau e outros ainda em que simplesmente se entusiasma a surfar na maionese. E, nalgumas passagens, não se pode senão desconfiar que quem quer que escreveu esta coisa está a fazer figas para que, deste lado, a malta seja estúpida que nem uma porta fechada.

 

Não é fácil escolher o momento mais brilhante destes 4 folhinhas A4 que o Expresso fez à Pátria o favor de divulgar. Inclino-me, talvez, para o parágrafo em que nos é explicado que "a medida não pode ser vista como uma subida de impostos" pois "as contribuições dos trabalhadores sobem, mas as contribuições das empresas descem". Mas isto sou eu, que gosto de bom velho non sense à Monthy Python - não se deixem influenciar e digam de vossa justiça.

 

Aqui ficam alguns do highlights do documento, com negrito meu. Mas a sua leitura não dispensa, naturalmente, a consulta do documento na íntegra. Para se ver até onde vai o cinismo e a falta de vergonha na cara.

 

 

"Medida de ajustamento recíproco das contribuições para a segurança social responde com energia e ambição ao maior problema que enfrentamos no nosso processo de ajustamento o desemprego."

 

"Combate a subida do desemprego porque: reduz bastante os desincentivos à contratação de trabalhadores"

 

"Permite baixar custos, o que aumenta a competitividade das empresas exportadoras e das empresas que no mercado nacional concorrem com importações, e, no caso das empresas produtoras de bens não-transaccionáveis, permite baixar preços, o que, por sua vez, aumenta o rendimento disponível das famílias num período de recessão económica. Quanto a este último caso, deve ser deixada uma nota de exortação às empresas para que adiram a este esforço nacional de redução dos custos e preços, e façam traduzir este alívio das contribuições para a Segurança Social nas suas políticas de preços.

 

"Esta é uma medida que tem a capacidade de operar dos diferentes modos ao mesmo tempo, sendo por isso mais eficaz: alivia a tesouraria das empresas, permite reduzir custos nos mercados internacionais e também no mercado interno, tornando as nossas empresas mais competitivas e aliviando o esforço das famílias. Pode ser igualmente um modo de relançar o investimento e de tornar mais fácil o acesso ao crédito bancário para as empresas, porque melhora a sua situação financeira.

 

"Ao aumentar o emprego, diminui a despesa da Segurança Social, com subsídios.

 

"Promove aumento da arrecadação fiscal pelo aumento do número de activos.

 

"Corresponde à decisão do Tribunal Constitucional sobre a repartição dos sacrifícios. Há um alargamento do universo sujeito às políticas orçamentais de austeridade. Mas esta solução, e ao invés das alternativas que foram sendo avançadas na imprensa nas últimas semanas (aumento generalizado de impostos, sobretaxas extraordinárias, aumentos do IVA, etc.), em vez de provocar efeitos recessivos adicionais sobre a economia, tem pelo contrário efeitos positivos a curto e médio prazo sobre o emprego/desemprego

 

"A medida não é inédita até porque recupera, numa modalidade diferente, o projecto de "desvalorização fiscal" que foi avançado no passado recente pelo PSD e pelo Governo. Só que desta feita através das contribuições sociais dos trabalhadores e já não do IVA. Sendo um imposto regressivo, o IVA afectaria desproporcionadamente as famílias mais pobres pelo que o aumento do IVA que seria necessário teria um impacte social mais nocivo do que a subida das contribuições sociais dos trabalhadores.

 

"A medida não pode ser vista como uma subida de impostos. As contribuições dos trabalhadores sobem, mas as contribuições das empresas descem. Como um todo, a economia não fica mais sobrecarregada com impostos/contribuições. Isso é que é importante salvaguardar. O impacto na atividade económica será positivo.

 

"O Tribunal Constitucional nunca determinou que o corte dos subsídios não podia ser mantido, mas sim que este corte teria de ser acompanhado por uma contribuição do sector privado.

publicado por Filipe Santos Costa às 17:04
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