Terça-feira, 10 de Março de 2009

Angola: O Regresso da História e o Fim dos Sonhos

"O Regresso da História e o Fim dos Sonhos", do neoconservador Robert Kagan, é um bom livro para ler nestes dois dias da visita de José Eduardo dos Santos a Portugal. Basicamente, a tese do livro é esta: os sonhadores do idílico pós-queda do Muro de Berlim estavam errados. O mundo voltou a ser tão perigoso como era, embora sem a luta ideológica da Guerra Fria. Com a globalização, quem manda são os mercados, e isso tem atenuado as relações das democracias liberais com os regimes autocráticos. Para Kagan, as democracias são demasaido complacentes com as autocracias. É um risco, porque as democracias perdem o poder que não ocupam. Ele tem como exemplo supremo a Rússia (e não deve ter gostado nada de ver a senhora Clinton por estes dias a esforçar-se por normalizar as relações com Lavrov). Ele acha que a Rússia de Putin, que invade os vizinhos, tem de ser tratada como um Estado que invade os vizinhos.


Se os EUA e a NATO se vergam à Rússia de Putin, por que não deve Portugal vergar-se a Angola? Até tiveram eleições... Não veremos, de certeza, em nome do realismo político, José Sócrates ou Cavaco Silva mencionarem direitos humanos, desigualdades ou liberalização política. Os 8% da taxa de crescimento anual angolana é demasiado preciosa. Kagan escreve: "A nova riqueza dá às autocracias uma maior capacidade de controlar a informação - monopolizar estações de televisão e ter uma garra apertada no tráfego na Internet, por exemplo, muitas vezes com a ajuda de grandes grupos estrangeiros, ansiosos por fazerem negócios com eles. A longo prazo, a prosperidade crescente pode muito bem produzir liberalismo político. Mas quão longo é o prazo?"

Outra questão, e que também nos leva a José Eduardo dos Santos, é a extensão tentacular dos Estados autocráticos por via das suas empresas. Kagan dá o exemplo da Rússia com a sua Gazprom - que depois do livro sair chantageou a Europa -, e que aumenta o seu poder político conforme vai comprando outras empresas noutros países. O caso de Angola tem parecenças: deve o Estado português permitir que empresas estatais de outros países entrem no capital de empresas portuguesas que outrora foram do Estado? E empresas que sendo privadas se confundem com o poder nos Estados mais autocráticos? É que o domínio político nessas empresas transfere-se de um Estado para o outro e pode criar vulnerabilidades em sectores-chave, como a energia. Deve Portugal permitir, liberalmente, que empresas angolanas tenham posições cada vez mais importantes no mercado português, sem que haja uma exigência de reciprocidade no tratamento de empresas portuguesas em Angola - onde se exigem parcerias e onde os angolanos são maioritários?

O livro de Kagan acaba assim: "A futura ordem internacional será moldada por aqueles que tiverem o poder e a vontade colectiva para a configurar. A questão está em saber se as democracias do mundo se vão de novo erguer para enfrentarem tal repto". Eu duvido.
publicado por Vítor Matos às 07:56
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